02/11/2024

**"Memórias de uma Infância Difícil"**

A vida, com seu jeito imprevisível, trouxe reviravoltas que não poderíamos imaginar. No dia 26 de agosto de 1967, o mundo se desfez quando minha mãe nos deixou, aos 33 anos. Sua partida foi um golpe devastador. Eu tinha 11 anos, Airton apenas 12, Marília tinha 9 e Mariza, a caçula, apenas 7. O vazio deixado por sua ausência era profundo e a dor, insuportável.

Com a partida de nossa mãe, a vida tornou-se um labirinto de incertezas. Meu pai, envolto em sua própria luta com o vício do jogo, não conseguiu lidar com a responsabilidade de nos criar. Em apenas três meses, perdeu tudo o que eles haviam construído juntos, incluindo o seguro de vida que era uma preocupação constante de nossa mãe, Vitória, para conosco. As dívidas se acumularam e, em uma tentativa de escapar da situação, ele levou meu irmão para Toledo, onde cortavam palmito. Mas, mesmo lá, o vício o seguia, deixando meu irmão desolado e sem esperança.

A vida parecia se tornar uma série de despedidas. Meu pai fugiu novamente, e as notícias eram escassas. Ele se mudou para São Paulo, onde conseguiu um emprego em uma construtora, mas a sombra do jogo ainda o acompanhava. Enquanto isso, nós, os quatro filhos, fomos acolhidos por minha tia Caroltcha, que era 19 anos mais velha que minha mãe. Com os filhos já casados — Nucha e Bernardo — ela nos recebeu em sua casa, oferecendo abrigo em um momento de desespero.

A vida com a tia não era fácil, mas éramos gratos por não estarmos sozinhos. Meu tio Sigmundo, casado com Caroltcha, tornou-se uma figura importante em nossas vidas. Ele nos educava e nos mostrava que a vida, sem nossa mãe, era uma luta constante. A escola Everardo Bakeuser em Descanso se tornou nosso refúgio, mas a nostalgia da infância tranquila se fazia presente a cada dia. Antes, éramos crianças que tinham tudo — vestidos novos, presentes e uma vida sem preocupações. Agora, éramos apenas crianças tentando entender a nova realidade.

A rotina na casa da tia era marcada pelo trabalho duro. Meu tio saía cedo para a colônia, onde cultivava trigo, feijão e milho. À noite, ele chegava cansado, e eu e Mariza tínhamos que descarregar a carroça cheia de produtos. O cansaço dele era evidente ao anoitecer, mas nós fazíamos nossa parte, ajudando no que podíamos. A vida não era mais a mesma, e aprendíamos a valorizar o sacrifício e o esforço.

Quatro anos se passaram nesse novo ritmo, e a vida nos moldou de maneiras que nunca poderíamos imaginar. Então, uma notícia chegou de nosso pai. Ele havia enviado dinheiro para que pudéssemos nos reunir a ele em São Paulo. A ideia de deixar a casa da tia e nos juntar a ele era um misto de esperança e apreensão. O que nos aguardava na cidade grande? A esperança de um recomeço tomava conta de nós, mas a realidade de tudo o que havíamos passado ainda pesava em nossos corações.

Partir para São Paulo significava deixar para trás a infância que conhecíamos, mas também significava um novo começo, uma nova chance. A vida sempre nos ensinou que, mesmo nas dificuldades, a esperança nunca deve ser abandonada. Assim, com a coragem que herdamos de nossa mãe e a força que encontramos um no outro, seguimos em frente, prontos para enfrentar o que o futuro nos reservasse.

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